23 de janeiro de 2013

Fahrenheit 451

Terminei ontem de ler o Fahrenheit 451. Gosto muito do jeito que o Ray Bradbury escreve, principalmente quando ele descreve os lugares usando sinestesias, ou descrevendo os cheiros e temperaturas. Gosto de como ele mistura o pensamento do Montag, personagem princial, na narrativa, faz a gente realmente mergulhar nos sentimentos, praticamente viver o que ela está vivendo.

E o que a gente vive em Fahrenheit é um futuro negro, onde a censura impera sobre os livros, que estão proibidos de serem lidos, e a televisão toma conta da criação do espetáculo que se confunde com a vida real dos "cidadãos comuns". Onde os bombeiros, profissão de Montag, ao invés de apagarem incêndios, queimam bibliotecas. A gente vive todo o processo de Montag, desde os acontecimentos que o despertam para uma nova visão de mundo, até o final muito bem colocado.

Mas uma das partes que mais me fez refletir foi o Coda, lá no finalzinho do livro. Bradbury levanta a questão sobre o quanto se deve interferir em material artístico, exemplificando com cartas que recebeu de minorias reclamando que em suas histórias faltavam, por exemplo, mulheres, ou que os negros não eram bem retratados, ou que a linguagem poderia influenciar alunos do colegial. Ele explica que se cada minoria pedir para que seja refeito o trabalho de acordo com suas preferências, o trabalho deixará de ser o que era. Será um corpo mutilado, sem pernas ou braços, sem a capacidade plena que possuía. E que não cabe a mais ninguém, além do autor, decidir como será esse corpo.

Isso entra em uma questão interessante. Na minha opinião, não se pode desmerecer um trabalho porque ele fala de aspectos negativos da sociedade. Não é porque o conteúdo da arte não está alinhado com o que acreditamos que ele não tenha nada a ser dito de relevante, ou de esteticamente belo. Não é plausível desejar que livros sejam refeitos, filmes sejam refilmados, porque não há mulheres suficientes (esse exemplo especificamente, porque me diz respeito e porque eu me importo com ele). Como acontece em Fahrenheit, os livros começaram a ser censurados porque as minorias retiravam uma parte aqui, outra ali, até que não restava alternativa além de queimar o livro inteiro para agradar à população.

A distopia de Bradbury era um mundo criado para evitar os conflitos, onde os habitantes da cidade de Montag desconheciam qualquer aspecto externo, onde ninguém podia ter tempo para parar, refletir, pensar na vida. As minorias, nesse caso, ao invés de informar ao resto, queriam eliminar o que não estavam de acordo. E por censura forçada, acabaria mesmo acontecendo a perda de qualquer forma de expressão, já que é impossível agradar a todos, seja nessa realidade ou na nossa.

Aqui no Brasil os bombeiros não queimam ao invés de apagar o fogo, mas isso não significa que devemos deixar passar o discurso preconceituoso ou limitante. Mas também não dá para querer que tudo seja reescrito, refeito, proibido. O que foi feito, já foi feito. Nosso dever, eu acho, é sempre observar, discutir, expor por que que tal e tal coisa são machistas, preconceituosas, ou o que for, e esperar que com a conscientização, as futuras obras sejam mais inclusivas, passo a passo. Já a responsabilidade do autor deve ser a de estar consciente das mensagens que passa, ou pelo menos, de que passa uma mensagem que afeta em muitos níveis a pessoa que o ler.

Nada tem só seu lado bom ou só seu lado ruim. O fogo que queimava e destruía tudo também servia para aquecer e confortar os homens, como Montag pode perceber. O importante é estar sempre aberto a refletir e evoluir. Coisa que esse livro oferece em milhões de momentos.

(Imagem: screen do filme com o mesmo nome, de 1966)

Um comentário:

  1. *-*
    não sabia disso, da minoria que gerou a censura. é legal pensar sobre isso, acho que hoje em dia estamos no caminho certo, criticando mas também fazendo melhor.
    isso me lembrou o que a gente conversou ontem, aliás, falei com a minha lindeza e ela discordou um pouco da gente, disse que apesar de não tirar a beleza da peça, é importante sim criticar e que a gente só não sentiu mais, pois já estava representada na peça e que a autora nada mais tem que um senso crítico mais apurado que o nosso, fez sentido :}
    o filme tem isso né, de mostrar o clássico de ignorance is bliss.
    e isso de interferir, acho que é tem q dar pitaco, reclamar, elogiar, deixar em aberto, mas aí entra naquela coisa de impor limite ou não a uma obra de arte. ou pelo menos definir o que é arte, mas é tão subjetivo.
    em community eles acabam criando um mascote bizarro justamente por não querem especificar uma pessoa aihshuishuia já viu esse?

    :*

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